quarta-feira, 21 de julho de 2010

Até quando viveremos na era do “shownalismo”?

Na noite do último domingo (18/07), fui surpreendido com um vídeo exibido no Fantástico, feito durante o vôo que trouxe o goleiro Bruno do Rio de Janeiro para Minas Gerais, sem o conhecimento do jogador. Já na tarde desta segunda-feira (19/07) não me causou surpresa alguma saber que as delegadas que estavam à frente do inquérito policial foram afastadas do caso, justamente por deixar que “vazassem” imagens gravadas de forma clandestina, em rede nacional.

Desde o dia que o ex-jogador do Flamengo chegou a terras mineiras, um verdadeiro circo foi armado pela imprensa, com as delegadas fazendo questão de colocar a cara na telinha, escoltando o suspeito diante das câmeras, querendo ser mais real que o rei. Isso me incomodou como cidadão, pagador de impostos e não como jornalista, já que fui criado muito próximo a delegados e policiais, que em outros tempos se preocupavam em fazer o seu trabalho nos bastidores. Já como jornalista eu sei muito bem que “é isso que vende”, para ir mais direto ao assunto.

Esse episódio fez ressurgir um assunto que venho debatendo com alunos e colegas de profissão: a de que jornalista não é “007”. Para apimentar mais ainda o debate, me remeto a Eugênio Bucci, que no seu livro “Sobre Ética e Imprensa” ele ressalta que “não pode haver jornalismo de qualidade quando se atropelam os padrões éticos. Jornalista não é detetive, não é relações-públicas, não é cabo eleitoral, não é cortesão: jornalista é pago para oferecer ao cidadão informações com credibilidade”.

Mas aí alguns nobres leitores podem argumentar: “Mas o disfarce e as câmeras escondidas são umas das únicas formas de conseguir informações em casos polêmicos, como esse”. Será mesmo? O debate é amplo, mas eu me justifico contrariamente citando apenas o VIII parágrafo do artigo sexto do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que diz que é dever do jornalista “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”. E pelo que constam, todos esses princípios foram jogados por terra, ou melhor, na lama.

Não bastasse esse episódio específico, me chama bastante a atenção a forma com que a mídia tem se comportado nesse tipo de situação, se antepondo a justiça, passando por cima até mesmo da Constituição Brasileira, que estabelece que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", também chamada no meio jurídico como princípio da presunção de inocência. Ou alguém que leia esse artigo ainda tem dúvida que mesmo que por um acaso do destino, o jogador seja inocentado pela justiça, a vida dele já escorreu pelo ralo há muito tempo?

Na busca pelo “furo jornalístico” está valendo tudo, desde se fazer passar por quem não é, até passar por cima de toda a ética e valores morais que foram juramentados por aqueles que passaram por um banco de faculdade, ou no mínimo, tiveram uma criação familiar descente. O jornalista goiano Luiz Carlos Bordoni foi brilhante no seu raciocínio em artigo escrito em 2002, abordando justamente esse assunto. “Falam em jornalismo investigativo, mas não o fazem dentro dos prescritos éticos, de buscar as fontes oficiais, documentos, provas irrefutáveis, onde os envolvidos têm todo o direito de saber com quem estão falando e de dizer se querem ou não ser filmados ou fotografados”.

Mas até que alguém acorde para o poço sem fundo que cobertura jornalística desse tipo está se encaminhando, só nos resta sentar e aguardar as cenas do próximo capítulo.

* Leonardo Marcos Rodrigues
Professor dos cursos de Jornalismo e
Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras/Divinópolis

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