segunda-feira, 4 de março de 2013

A violência travestida faz seu trottoir


Douglas Fernandes
Jornalista, Especialista em Imagens e Cultura Midiática pela UFMG. Professor de Redação Jornalística e Fotojornalismo na Faculdade Pitágoras





Sob o título de “Sexto” e uma grande foto chapada na manchete de capa, revelando um corpo estendido no chão, a Gazeta do Oeste, no dia 21 de fevereiro, trouxe à tona um debate que há tempos divide opiniões entre jornalistas e população: a mídia deve ou não “proteger” seu público de imagens chocantes? Respondendo: NÃO, porque o papel do jornalista (e nesse caso, do fotojornalista em específico) é revelar a verdade e não maquiá-la.

Sei que muitos vão afirmar que imagens de mortos é “o ganha pão” das mídias sensacionalistas e que apesar de agradarem o grande público, não seriam de interesse público. Nessa mesma vertente, seguem os estudos de Susan Sontag, que se debruçou sobre a linguagem das imagens e chegou a afirmar que, devido à sobrecarga de informações que recebemos atualmente, as foto-choques, como são conhecidas, já não teriam mais a capacidade de nos chocar. Será?

Para aprofundar nesse debate, precisamos primeiro delimitar a diferença (tênue) entre o sensacionalismo e uso de foto-choques no fotojornalismo. “Excesso de cobertura visual pode levar ao risco de sensacionalismo e ofender as pessoas, enquanto pouca cobertura pode simplificar questões complexas e deixar de informar o público sobre a magnitude dos horrores. Fotógrafos e editores se questionam rotineiramente se devem dar aos espectadores e leitores o que eles querem, o que vão aceitar ou o que precisam saber” (Carol Schwalbe, de seu artigo Lentes Sangrentas).

Jornalistas profissionais não são e não devem agir como garçons de um restaurante que serve aos seus clientes o que eles querem, porque no caso da mídia, nem sempre os clientes sequer sabem o que querem. Jornalistas devem, sim, informar aquilo que seu público precisa saber para terem capacidade crítica de pensarem a realidade em que vivem. Trazer a foto de um corpo morto a tiros na capa de um impresso poderia, sim, ser visto como uma cena sensacionalista se não houvesse um contexto que justificasse. No caso da Gazeta, era o sexto homicídio do ano, o segundo na semana e, com certeza, um montante maior de assassinatos cometidos no primeiro bimestre de 2013 em comparação há anos anteriores. Então eu pergunto a você, fiel leitor: diante desses fatos, você gostaria que a realidade fosse maquiada como se a morte desse suposto traficante fosse apenas mais uma; ou, ao contrário, ficaria mais bem informado sobre a Escalada de Violência (citando a capa da Gazeta) que aflige a cidade de Divinópolis quando defrontado com uma foto real sobre o fato?

Para aqueles que ainda resistem em aceitar o uso de foto-choques, que tal trazermos a tona o caso de Santa Maria? Não desconsidero que em alguns casos pontuais, houve sim uma cobertura sensacionalista de alguns órgãos de imprensa (a minoria). No contexto geral, esse infeliz incidente desencadeou uma reação, por meio da realidade exposta pela mídia, obrigando o poder público e as entidades responsáveis em todo o país a tomarem providências para evitar que uma tragédia dessa natureza aconteça novamente.

Não divulgar a realidade ou amenizar os fatos, no caso da onda de assassinatos cometidos em Divinópolis, por exemplo, pode gerar no público a falsa impressão de segurança, enganando o leitor/ouvinte/telexpectador, o que não é o dever do jornalista/fotojornalista. Infelizmente, essa não é a primeira fez que uma série de assassinatos seguidos acontece na cidade, como em 2008 e creio que é o papel do jornalista profissional noticiar, informar, contextualizar e causar impacto, se necessário (como o uso da foto-choque), sobre um grave problema, alertando população, órgãos públicos e entidades e cobrando soluções.

E relatos de resultados nesse sentido não faltam, como a foto de Eddie Adams, registrando a execução de um vietcongue, o que mudou a visão do público em relação à intervenção dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Ou a foto de Kenneth Jareck, mostrando o corpo queimado de um soldado iraquiano, o que revelou que a Guerra do Iraque não foi um “procedimento cirúrgico” como os líderes norte-americanos faziam crer. Ou mesmo, como já citado, o caso da boate Kiss, em Santa Maria.

Então, fiel leitor, peço que antes de julgar uma foto-choque (ou imagem-choque, se abrangermos também a televisão), “leia” a imagem e contextualize o que ela está querendo informar. Se está apenas lhe fornecendo algo superficial, suspeite de sensacionalismo. Há uma carga de informação e alerta sobre a realidade? Leia: é o jornalismo profissional cumprindo sua função.

Obs.: (O título dessa coluna é uma referência a uma canção do grupo Engenheiros do Hawaii/ Trottoir que dizer caminhada, mas também faz referência ao andar de prostitutas à espera de clientes).

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Conversa de consumo – parte 02

 
 

Ricardo Nogueira
Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica.Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.
 
Em continuidade ao tema da última semana, nada melhor do que voltarmos a falar sobre a sociedade do consumo em pleno Natal. É incrível como a “magia” da data motiva todos a gastarem bastante, às vezes mais do que podem, para não ficar de fora do “espírito” natalino. Nada contra presentear as pessoas de quem se gosta, que merecem, especialmente as crianças, que ainda – em poucas e boas exceções – se esforçam em ser bons meninos à espera do presente do bom velhinho. O que tem mudado nos últimos anos é o foco: tanto sobre “o que” se dar, passando pelo “como” adquirir e terminando no “quanto” se pode gastar.

 

Novamente vêm as lembranças e a nostalgia de ser uma criança na década de 1980. Quem, nessa época, não aguardou e desejou com toda força receber uma camionete, de plástico, alaranjada, no dia 25 de dezembro? Além dela, lembro bem de já ter desejado ganhar um velotrol imitando a Lotus preta do Ayrton Senna, alguns bonequinhos do Comandos em Ação e até mesmo um disco (vinil) do Trem da Alegria ou Balão Mágico. O que dá para notar é que, nessa época (como se fosse tão distante assim), as crianças ainda gostavam de ganhar presentes de criança.

 

Hoje, no entanto, alguns valores estão invertidos. Claro que ainda há aqueles garotos e garotas que sonham com presentes infantis, mas há uma crescente tendência que aponta para a inclusão de objetos de desejo do mundo adulto cada vez presentes no universo das crianças. Como se vê nas reportagens sobre a economia nessa época, os presentes “vedetes” neste ano são os tablets e smartphones. E acredite: grande parte deles será destinado a um menino ou menina que, antes mesmo de ser alfabetizado(a), já saberá como curtir e compartilhar uma foto nas redes sociais virtuais. Sinal dos tempos? Não sei.

 

A forma como os presentes são adquiridos também mudou bastante. Apesar de ser uma verdadeira aventura caminhar pelas ruas das cidades nessa época devido ao excessivo volume de pessoas no trânsito (a pé ou de carro), é notável como a “comodidade” da internet tem alterado o hábito de compra das pessoas. Impressionam alguns dados de pesquisas que apontam um crescimento assustador no número de aquisições feitas por meio da rede de computadores. Devemos lembrar que os números não abrangem toda a sociedade, mesmo porque, por mais incrível que pareça, ainda existem pessoas que não têm acesso regular à internet ou sequer a conhecem.

 

Mas se o foco estiver sobre as pessoas da classe média (a tão falada classe C), os números mostram que a grande maioria dos usuários da rede faz regularmente compras pela internet. Nessa hora, a da empolgação, esquece-se até mesmo de cuidados básicos de segurança na exposição de dados em sites pouco confiáveis. Aí depois vem o problema de cartões clonados, dívidas não reconhecidas e todo tipo de dificuldade que as instituições financeiras devem rezar para não acontecer.

 

No entanto, com tantas ofertas de sites de descontos e compras coletivas, quem resiste a comprar uma viagem em pleno verão para relaxar nas águas quentes de Caldas Novas? Ou pegar um ticket (aliás, voucher) de desconto em um restaurante na capital, mesmo sem ter ido lá uma vez sequer? Não dá para resistir. Mesmo que não use – e nem vá usar o bem ou serviço adquirido –, o que não pode é perder a oferta.

 

E é aqui que finalizo esse papo: a relatividade do “quanto” se pode gastar. Afinal, custo e valor são critérios extremamente subjetivos. Luto diariamente para entender o que faz uma pessoa a economizar (!?) para um passeio de férias, comprando uma viagem nesses sites de compras coletivas sem ao menos saber o destino e o que lhe espera (na maioria das vezes uma surpresa negativa, pois exibir fotos esplêndidas de um paraíso é fácil). E, ao mesmo tempo, essa pessoa paga 10 vezes mais no valor de uma camisa – igual a outra básica – apenas porque ela tem um escrito de uma marca que virou hit de uma hora para outra e está mais batida do que caipirinha (A Hollister e Abercrombie agradecem a preferência). Cada um, cada um...

 

Desejo a meus leitores um Feliz Natal e um momento bem interessante de reflexão. Agora, se me dão licença, tenho que responder minhas felicitações natalinas de amigos virtuais que nunca vi, mas que insistem em desejar o bem a toda a humanidade nesse período.

 

Conversa de consumo – parte 01


 
 
                                             
 

Ricardo Nogueira
Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica.Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.


 

Em minha época de Faculdade, me lembro bem de um texto sobre a “Cultura do Consumo e Pós-Modernismo”, de Mike Featherstone. Isso já faz mais de 10 anos e a obra é de 1995. O interessante disso tudo é que seu conteúdo continua atualíssimo e, cada vez mais, é perceptível como a ênfase no consumo instantâneo e imediato prevalece em nossa sociedade contemporânea. Longe de pretender estabelecer verdades e teorias, essa conversa pretende refletir sobre as causas e os efeitos dessa supervalorização do ter em detrimento do ser (ou do conhecer).

 

O mais interessante é que, de geração em geração, de tempos em tempos, mudam as marcas, mudam os interesses, mas a “necessidade” de consumir continua a mesma. E, hoje em dia, com a facilidade da internet, esse hábito pode se tornar um vício. Basta um clique e pronto: você consegue comprar roupas, periféricos de computadores, perfumes, viagens, sessões de drenagem linfática, carros, casas, entre outros. E aí, aliadas às possibilidades de crédito, as dívidas vão se acumulando até formarem uma bola de neve.

 

No último domingo, após a vitória do Corinthians no Mundial de Clubes da Fifa, pipocaram piadinhas sobre os torcedores da Fiel. Estereotipados como malandros e “manos”, as zoações focavam no fato de que os corintianos estão, agora, menos preocupados com a conquista do clube e mais em saber o que fazer para quitar os carnês da CVC. Se existe um fundo de verdade na gozação, mais uma vez a sociedade do consumo se faz presente. Viajar para o Japão e ir acompanhar seu time na Final do Mundial de Clubes é fácil. Difícil é quitar as dívidas.

 

Ainda dentro do futebol, tema frequentemente abordado por aqui, outras duas atitudes me chamam bastante atenção. A primeira diz respeito ao valor dos ingressos dos novos estádios ou “arenas” multiuso do Brasil, remodelados em virtude da Copa de 2014. Além de todas agora possuírem cadeiras no lugar dos tradicionais assentos cimentados da arquibancada, os preços dos ingressos dispararam. Me assustei com a venda antecipada dos ingressos para a partida que será disputada no Mineirão na primeira fase da Copa das Confederações em 2013. Mesmo com preços na casa dos “centos”, foram esgotados em menos de 24h após o início das vendas. Tudo bem que é raro assistir a uma partida entre duas seleções internacionais em BH, mas será que vale mesmo gastar boa parte do salário só para dizer que foi?

 

Isso sem falar na possível elitização de todo o contexto que envolve os estádios, tradicionais redutos da testosterona. Lembro-me que ir ao Mineirão significava descarregar no juiz todos os palavrões que queria falar para o chefe. E, para tal, era necessária quase uma preparação espiritual, que começava na combinação da carona, na zoação e nos cantos no caminho do estádio, além, é claro, do famoso tropeiro com aquela cervejinha gelada. Aí, na hora do gol, se abraçava quem estava do lado, indiferente da cor, gênero, religião – só importava a paixão pelas mesmas cores de futebol. Com as mudanças, talvez as pessoas passem a assistir às partidas assentadas, balançando seus lenços de seda coloridos e saboreando croissants de ricota com espinafre, acompanhados por uma taça de frisante.

 

A outra atitude refere-se ao valor gasto nos materiais esportivos oficiais dos clubes. Ainda quero muito entender (quem sabe um dia não exista um estudo científico sobre isso?) o que leva uma pessoa a gastar mais de R$ 200 em uma camisa oficial do clube, mesmo sabendo que ela deverá “perder a validade” em menos de um ano? Isso sem falar nos outdoors ambulantes em que as camisas vão se transformando, com patrocínios percorrendo praticamente toda a extensão de pano disponível. O escudo do clube vira quase um minimalismo, um enfeite para uma espécie de abadá de micareta.

 

Mas, no mercado do consumo, tudo é possível. O que vale é possuir, participar e, principalmente, mostrar para os outros o que se fez. Na próxima semana continuamos nessa conversa sobre o consumo desenfreado.

 
 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tão longe, tão perto


 

Ricardo Nogueira

Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica. Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.

 
Se tem uma pessoa que, apesar dos pesares, merece o meu respeito é Rafinha Bastos. Se você não o conhece, provavelmente está há um bom tempo sem acompanhar as últimas polêmicas envolvendo os artistas, comediantes e as “fofocas” de bastidores nos programas humorísticos, as atuais grandes estrelas das emissoras de TV. Já se o conhece, possivelmente tenha uma opinião de “ame-o ou deixe-o”, assim como Diogo Mainardi consegue causar em seus leitores, e também o jornalista Fred Melo Paiva, característica que alguns outros poucos artistas conseguem despertar. O que, no final, é bom. Pois assim como toda unanimidade é burra, tudo o que nos vem como produto cultural midiático e digerido sem crítica acaba não tendo valor.
De estilos tão diferentes, inclusive verborrágicos e literais, o que aproxima essas personalidades midiáticas é a acidez na crítica e a falta de “licença” para dizer o que pensa. Mas como nem tudo é ouro, Rafinha Bastos foi perdendo espaço na grande mídia: demitido da Band, aventurou-se em um projeto fraco na Rede TV! e agora segue polemizando na internet, enquanto seu reality “A Vida de Rafinha Bastos” segue firme como opção na grade do canal a cabo FX, apesar de ainda não ter estreado (dizem que por falta de incentivos financeiros).
 Mainardi, por sua vez, também está fora da grande mídia popular atualmente. Após ser demitido da Veja no início do ano, o polêmico articulista segue dando seus pitacos semanalmente no “Manhattan Connection”, exibido aos domingos na GloboNews. Recentemente lançou um livro autobiográfico narrando a vida de seu filho, que sofreu uma paralisia cerebral no nascimento devido a um erro medido. Na obra, Mainardi conta essa história de forma única, intertextualizando sua tragédia pessoal com alguns dos principais movimentos artísticos, culturais e históricos da humanidade. Como já li, posso afirmar: o cara realmente é bom!
Por fim, Fred Melo Paiva, o menos conhecido dentre os três, mão não menos polêmico e/ou genial. Eu mesmo fui conhecer o seu trabalho nesse ano, no jornal Estado de Minas, no qual o jornalista mineiro radicado em São Paulo assina a coluna “Da Arquibancada”, publicada sempre aos sábados. Nela, o atleticano fiel relata, em textos com uma ironia sem igual, as maravilhas e as dores de torcer pelo Atlético/MG, fazendo referências históricas e provocando os rivais, especialmente os cruzeirenses. Após virar fã de seus textos, fui procurar saber quem era mesmo o autor e descobri que trata-se do ex-diretor de redação das boas revistas Trip e TPM e que, em fevereiro próximo, estréia nova série no History Channel chamada “O Infiltrado”. Na produção ele irá se infiltrar e acompanhar uma série de universos desconhecidos, participando como um repórter atuante, próximo do conceito do “jornalismo gonzo”, tão bem feito pelo nobre Arthur Veríssimo na própria Trip e, às vezes, executado com maestria também pela “A Liga” e pelos discípulos de Caco Barcellos no “Profissão Repórter”. 
Em comum, além da polêmica, os três personagens têm algo em extinção na maioria das pessoas: a falta de “papas na língua” para dizer o que pensam. E é justamente isso o que os aproxima, o que os coloca tão longe e, ao mesmo tempo, tão perto. Surfar contra a maré é tarefa difícil, ingrata e pode causar problemas inumeráveis. No entanto, como já discutimos outra vez nesse espaço, se estar na mídia exige uma tomada de posição, eles o fazem com excelência, ao defenderem o que acreditam – estando certos ou não, exagerando ou não nas palavras. Pelo menos, agindo assim, se despem da capa de “imparcialidade e objetividade” que ainda domina a grande imprensa, mas que são, de fato, muito mais uma frase de enfeite em um quadro na parede do que uma atitude prática.
Sugiro ao nobre leitor que procure conhecer os feitos destes articulistas e tire suas próprias conclusões. A minha, como já explicitada, é de admiração. Mesmo as ressalvas não contam aqui nesse meu julgamento, pois sei que ninguém é perfeito. E sei que, ao fazer isso, cada um chegará a sua própria opinião extrema: o amor ou o ódio. Sentimentos tão longe e tão perto. A única certeza é que não soarão indiferentes. E isso, nesse tempo de cultura fast food, faz toda a diferença.
 
 

 

 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Protestos virtuais: o último suspiro

 

Ricardo Nogueira
Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica. Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.



Nunca um artigo nesse espaço gerou tanta repercussão como o publicado há três semanas, “Protestos virtuais”. Após a publicação de um texto endossando o seu conteúdo há duas semanas (escrito com maestria pelo professor e jornalista Bernardo Rodrigues), e de uma “carta argumentativa” contestando o original, publicado na semana passada, pretendo encerrar hoje o assunto, sem parecer autoritário. Apesar do anonimato da “carta argumentativa” (parece ser de autoria de Igor Bastos, com base no endereço de email encaminhado pela redação do Gazeta do Oeste a este articulista), fiz questão de ceder este espaço na última semana para a publicação de uma visão contrária a minha. Hoje tento analisar tudo isso, por meio de uma última discussão acerca do fato e da própria repercussão que a publicação gerou.

 

O primeiro ponto a ser destacado é a confirmação das atitudes que nascem, crescem e morrem na internet. Após o link do artigo original ser disponibilizado na rede, por meio do Portal G37, começaram os “protestos”. Não pude acompanhar em tempo real, pois ela se deu no Facebook, meio ao qual não possuo acesso. Mas tive notícias da repercussão e fiquei extremamente feliz com isso. Além de provocar uma ação (nem que seja virtual), pude perceber que os próprios atores sociais envolvidos nos fatos não concordam com a passividade de certas coisas. E, apesar do texto não ter sido endereçado a alguém, pude notar que a carapuça serviu.

 

Da mesma forma, admiro o fato do autor da “carta argumentativa” ter se dado ao trabalho de escrevê-la e enviado para a redação do Gazeta do Oeste em contestação ao conteúdo do “Protestos Virtuais”. Isso mostra que, muitas vezes, ter atitudes além das redes sociais virtuais pode resultar em processos muito mais produtivos do que cantar aos quatro cantos sua opinião via Twitter ou Facebook. No mínimo, meu caro autor, tenha certeza que um número muito maior de pessoas teve acesso ao que você pensa. Concordando ou não com seus argumentos, saiba que emitir as opiniões no mundo “físico” faz com que um elo seja estabelecido com muitas pessoas além de nossos relacionamentos. Assim como eu e você. E isso é extremamente produtivo e gratificante para um debate maduro. Pode acreditar nisso.

 

Ainda em referência ao artigo original, o autor afirma que este jornalista generaliza todas as ações nas redes sociais como se fossem “de mentirinha”, o que é uma inverdade. Concordo com você na potencialidade que as redes sociais virtuais têm para mobilizar as pessoas. O exemplo da “Primavera Árabe” é excelente para atestar isso, assim como o belo trabalho feito por uma parcela da juventude divinopolitana em protesto contra o aumento dos salários de nossos vereadores. Atitude louvável, admirável e muito importante para o estabelecimento da democracia. E é exatamente esse o ponto em que discordamos: quando afirmo que a grande maioria das atitudes nas redes sociais virtuais nasce e morre no próprio meio.

 

Não tenho nada contra utilizar a rede para combinar encontros físicos com fins plenamente de entretenimento, como os zumbis ou a guerra de travesseiros. Apenas acho incoerente ações como essas atingirem um público maior do que em “convocações” para protestos e/ou reivindicações com fins sociais, já que esses mesmos participantes adoram se mostrar indignados com as desmazelas do mundo real. Mas levantar da cadeira, da cama ou do sofá para contestar isso parece que não vale a pena, né? Por isso sugiro que a geração M reveja seus conceitos no que tange ao seu “orgulho” de ter um “modelo diferente” do que existiu nos anos 1990 e antes. Esse novo modelo, extremamente passivo, não gera resultados tão eficazes quanto os de anteriormente e todos sabemos disso.

 

O espaço aqui é curto para uma discussão. Quero apenas deixar claro que concordo com você no que diz respeito à passividade social (dos usuários ou não das redes sociais virtuais) e que, como entusiasta destas novas tecnologias, pessoas como você deviam utilizá-las mais vezes para fins mais nobres, como já foi feito. Uma dica: aproveitem esse projeto que está em tramitação na Câmara de Vereadores, visando diminuir o grau de escolaridade para os assessores parlamentares, e realizem uma ação nesse sentido. Para fins como esse, creio que as redes sociais virtuais sejam uma ótima ferramenta para a reunião e convocação de pessoas que, assim como eu, acham tal projeto uma afronta à nossa inteligência. Caso auxilie, conte comigo nisso. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Protestos virtuais: o outro lado


 
 
Ricardo Nogueira
Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica. Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.



Nunca um artigo nesse espaço gerou tanta repercussão (contrárias e favoráveis) como o último, “Protestos virtuais” (apesar da maior parte deles ficar restrita ao ambiente virtual, confirmando o que o próprio artigo expõe). Após a publicação de um texto endossando o seu conteúdo na última semana (brilhante, aliás, escrito com maestria pelo amigo, professor, jornalista e Mestre, Bernardo Rodrigues), nesta semana acho justo e democrático oferecer o espaço para uma visão contrária à exposta originalmente. Recebi da redação do jornal Gazeta do Oeste uma “carta argumentativa”, sem título e assinatura, contestando o conteúdo do “Protestos virtuais”. Parece ser de autoria de Igor Bastos (faço a afirmação com base no endereço de email do autor da “carta”, encaminhado a este articulista).

 

Apesar do anonimato, creio justo contrariar um pouquinho a Constituição que assegura a “liberdade de expressão”, em seu artigo quinto, pelos incisos “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “IX- é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Portanto, segue abaixo a íntegra da “carta argumentativa” recebida na última semana. Na próxima (por questão de espaço não será possível comentá-la hoje), tentarei fechar o assunto por meio de uma análise sobre o próprio fenômeno que o artigo original gerou.

 

“Divinópolis, 15 de Novembro de 2012

Prezado Ricardo Nogueira,

A preocupação do senhor com os jovens é legítima e merece o apoio da sociedade, mas existem alguns pontos que devemos ressaltar. No artigo ‘Protestos Virtuais’, (Jornal Gazeta, 12/11/12), o senhor diz que a rede social gerou apenas protestos de mentirinha, o que muito me assusta. Como o senhor já sabe, e tem acompanhado, desde 2010 estão em noticiários de todo os países os protestos no mundo árabe, conhecidos como ‘Primavera Árabe’, nos quais o povo luta por direitos iguais e democracia. Como jornalista o senhor tem conhecimento do papel fundamental das redes sociais para que essas pessoas pudessem se conectar, mobilizar e lutar em meio a ditadura.

Mas eu entendo a sua preocupação, a rede social também tem gerado protestos inválidos, como o viral de 1 ano atrás que voltou com força em 2012, o ‘Protesto Gota D’água’ e vale lembrar que o vídeo foi feito por artistas de televisão. Graças aos estudantes da USP (Geração M), em conjunto com um professor, fizeram um vídeo resposta, desmascarando todas as falácias ditas em tal vídeo. O senhor deve lembrar muito bem desse episódio que foi capa de todas as principais ‘mídias físicas’ de nosso país.

O senhor cita também os revolucionários do passado como exemplos. A geração M nasceu sem ditadura e sem o medo da inflação. A conexão com o mundo, cada vez mais digital, cria uma nova forma de se relacionar. Sem limites físicos ou sociais, a internet é a nova forma de organizar o jeito de pensar do jovem. O modelo que foi válido até os anos 90 não faz mais sentido hoje. O engajamento político daquela época exigia mais sacrifícios. Um abandono a uma questão individual para se integrar inteiramente a um objetivo. Hoje, desejos individuais, como o caso dos Índios Guarani, são expostos nas redes, e rapidamente pessoas com os mesmos interesses e opiniões se conectam e começam a se movimentar, criando pequenas revoluções para tentarem mudar a sua comunidade local ou um coletivo maior.

A nota mais lamentável do texto é quando o senhor se refere aos flash mob’s (Pillow Fight e Zombie Walk). Fui um dos idealizadores de ambos em nossa cidade e entendo muito bem do assunto. Um flash mob nada mais é que uma aglomeração instantânea de pessoas para realizar determinada ação inusitada previamente combinada. Essas ações não têm o intuito de revolucionar o planeta, e pessoalmente não creio que os flash mob’s mudarão algo ou melhorarão a vida de alguma pessoa. O objetivo principal do flash mob é a diversão. Quando analisado socialmente, o senhor verá que existem pessoas de diferentes posições políticas interagindo, bem como pessoas racistas com pessoas de outras raças, pessoas homofóbicas com pessoas homossexuais, etc. Nada tão sério ao ponto de mudar os pensamentos, porém é um fator interessante a ser observado.

Eu entendo a sua crítica, mas creio que é melhor um jovem se divertir vestido de zumbi ou interagindo com seus amigos da internet, do que ir a um bar ou festa ‘encher a cara’, sem ter ao menos 18 anos, o que tem sido cada vez mais freqüente em nossa cidade. Não digo que os frequentadores de flash mobs não fazem isso. Reafirmo que o intuito desses movimentos é apenas criar uma via alternativa de diversão, nada mais que isso. Outro ponto importante que devo citar, é que, graças a rede de contatos que construí com essas mobilizações em 2011, foi possível ajudar o professor Juarez Nogueira, e outros amigos da Geração M, a encher a Câmara Municipal contra o aumento do salário dos vereadores, um acontecimento nunca visto em Divinópolis, onde estavam presentes muitos dos jovens que participaram dos flash mobs, justamente por serem os mais atuantes na Internet em nossa cidade.

Não faz diferença se estamos na rua ou na internet, a realidade é de comodidade, como o senhor mesmo disse. Precisamos de mais gente com o pensamento de mudança, assim como o senhor e eu. Fazer um protesto nas ruas com 3 pessoas não irá nos levar a lugar algum. Mas eu acredito que um futuro melhor está por vir, onde jovens líderes possam contribuir para mudar a nossa realidade. Onde utilizemos a rede social não apenas pra namorar ou fazer festa, mas para nos mobilizarmos efetivamente e construirmos nossas opiniões de uma forma mais concreta e sem hipocrisias. Onde as pessoas realmente se importem com o coletivo, para tornar o mundo cada vez melhor. Que se manifestem de forma a levar ao conhecimento das autoridades o verdadeiro pensamento coletivo. Mas o papel da rede social não é educar e conscientizar, a rede social nada mais é que um veículo de mídia, uma ferramenta, assim como toda a Internet. Se teremos jovens politizados ou não, dependerá do acesso a educação e cultura de qualidade. Agora é como eu sempre digo, se nós jovens ficamos quietos, somos ‘alienados’, se vamos pras ruas somos ‘baderneiros’. Independente do que aconteça, sempre haverá alguém reclamando no conforto do sofá de casa”.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Protestos virtuais e o fetiche da crítica



Bernardo Rodrigues Espíndola
Jornalista, Especialista em Filosofia, Mestre em Teoria da Literatura. Membro do grupo de pesquisa Intermídia, vinculado ao CNPq, com pesquisa sobre Semiótica e as relações entre literatura e outras artes.  Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Engenharias.



“Protestos virtuais”. Este foi o título de um artigo publicado pelo colega professor e jornalista Ricardo Nogueira sobre a atuação crítica da juventude nas redes sociais digitais. E foi quando li o texto do Ricardo que decidi escrever um pouco sobre essas novas formas comunicação que surgem com a internet e seus hipertextos, neste mundo de simulacros, hiperrealidade e hiperatividade.

Às vezes, parece que a linguagem passa mesmo por um esvaziamento do sentido, uma desconexão cada vez maior entre o discurso e o mundo atual. Enquanto isso, as pessoas tornam-se cada vez mais dispersas, desengajadas, desatentas. Nesse sentido, até que ponto podemos falar de uma consciência crítica que se fortalece com a internet? Se é que podemos falar em fortalecimento de alguma crítica... O que percebo em ambientes como o Twitter, Facebook etc. é mais um processo de “fetichização” da crítica do que mesmo uma crítica.

Vemos cada vez mais a proliferação de um discurso que gira em torno de si mesmo e se sobrepõe à realidade ou a uma efetiva ação, além da ação de dizer e expor uma indignação. O importante parece que é mesmo ir para a internet, “rodar a baiana” e esperar que mais gente entre na roda. Se bombar, já valeu o protesto.

Pior ainda é o protesto e a mobilização virtual em defesa do imbróglio. É o caso da campanha do voto nulo, que, como tantas outras semelhantes, circulou pelo Facebook. A campanha incentivava o voto nulo com o argumento de que, se mais da metade dos eleitores anulasse o voto, haveria novas eleições. Falácia pura. Isso não está previsto na lei; e, se estivesse, que vantagem traria? Por outro lado, a internet tem permitido uma onda de denúncias irresponsáveis, quase sempre mentirosas, que se escondem por trás do anonimato virtual para promover difamação e injúria. Seria essa a contribuição da internet para a Democracia? Isso é um atentado à Democracia, cada vez mais praticado no Brasil inteiro e que não se limita aos sites de relacionamento.

O fato é que a reclamação vigora; os protestos virtuais pululam. E a crítica responsável, coerente, sensata torna-se cada vez mais rara. Fica o discurso sem fundamento, girando em torno de si mesmo – fica o fetiche da crítica. Isso me lembra o pensamento de Jean Baudrillard sobre a espetacularização da realidade. Já que a distorção do pensamento do filósofo francês já inspirou até filme (Matrix), pode render alguma reflexão aqui também. Se Baudrillard mostra que, na cultura contemporânea, os sistemas de signos operam no lugar dos objetos, o que vemos nos “protestos virtuais” não é algo muito diferente: é o discurso da mobilização no lugar da mobilização – a crítica convertida em espetáculo.

Nesse cenário, não importa se a crítica tem fundamento ou não, se a denúncia é verdadeira ou não, se as propostas são viáveis ou não. O que importa é criticar, denunciar, protestar e tornar-se um espetáculo. O que importa é a próxima atualização do perfil e suas respectivas curtidas, compartilhamentos, comentários etc. Atualmente, busca-se mais a proliferação de um discurso de protesto do que o seu resultado. Esse efeito viral quase sempre não garante resultado nenhum além de mais uma moda fugaz que se dissolve em poucos dias.

Não se pode generalizar, claro. Afinal, casos de sucesso de flashmobs e outras ações que saem da internet para as ruas existem aos montes por aí. É o caso dos desfiles de fantasiados, guerras de travesseiros e outras festas que mostram que as redes sociais não são apenas digitais, elas extrapolam a internet, especialmente quando não tem função nenhuma além da simples diversão e entretenimento. Como tantos protestos online, elas esgotam-se em si mesmas e revelam mais uma vez que o que importa é mesmo “curtir”.