segunda-feira, 4 de março de 2013

A violência travestida faz seu trottoir


Douglas Fernandes
Jornalista, Especialista em Imagens e Cultura Midiática pela UFMG. Professor de Redação Jornalística e Fotojornalismo na Faculdade Pitágoras





Sob o título de “Sexto” e uma grande foto chapada na manchete de capa, revelando um corpo estendido no chão, a Gazeta do Oeste, no dia 21 de fevereiro, trouxe à tona um debate que há tempos divide opiniões entre jornalistas e população: a mídia deve ou não “proteger” seu público de imagens chocantes? Respondendo: NÃO, porque o papel do jornalista (e nesse caso, do fotojornalista em específico) é revelar a verdade e não maquiá-la.

Sei que muitos vão afirmar que imagens de mortos é “o ganha pão” das mídias sensacionalistas e que apesar de agradarem o grande público, não seriam de interesse público. Nessa mesma vertente, seguem os estudos de Susan Sontag, que se debruçou sobre a linguagem das imagens e chegou a afirmar que, devido à sobrecarga de informações que recebemos atualmente, as foto-choques, como são conhecidas, já não teriam mais a capacidade de nos chocar. Será?

Para aprofundar nesse debate, precisamos primeiro delimitar a diferença (tênue) entre o sensacionalismo e uso de foto-choques no fotojornalismo. “Excesso de cobertura visual pode levar ao risco de sensacionalismo e ofender as pessoas, enquanto pouca cobertura pode simplificar questões complexas e deixar de informar o público sobre a magnitude dos horrores. Fotógrafos e editores se questionam rotineiramente se devem dar aos espectadores e leitores o que eles querem, o que vão aceitar ou o que precisam saber” (Carol Schwalbe, de seu artigo Lentes Sangrentas).

Jornalistas profissionais não são e não devem agir como garçons de um restaurante que serve aos seus clientes o que eles querem, porque no caso da mídia, nem sempre os clientes sequer sabem o que querem. Jornalistas devem, sim, informar aquilo que seu público precisa saber para terem capacidade crítica de pensarem a realidade em que vivem. Trazer a foto de um corpo morto a tiros na capa de um impresso poderia, sim, ser visto como uma cena sensacionalista se não houvesse um contexto que justificasse. No caso da Gazeta, era o sexto homicídio do ano, o segundo na semana e, com certeza, um montante maior de assassinatos cometidos no primeiro bimestre de 2013 em comparação há anos anteriores. Então eu pergunto a você, fiel leitor: diante desses fatos, você gostaria que a realidade fosse maquiada como se a morte desse suposto traficante fosse apenas mais uma; ou, ao contrário, ficaria mais bem informado sobre a Escalada de Violência (citando a capa da Gazeta) que aflige a cidade de Divinópolis quando defrontado com uma foto real sobre o fato?

Para aqueles que ainda resistem em aceitar o uso de foto-choques, que tal trazermos a tona o caso de Santa Maria? Não desconsidero que em alguns casos pontuais, houve sim uma cobertura sensacionalista de alguns órgãos de imprensa (a minoria). No contexto geral, esse infeliz incidente desencadeou uma reação, por meio da realidade exposta pela mídia, obrigando o poder público e as entidades responsáveis em todo o país a tomarem providências para evitar que uma tragédia dessa natureza aconteça novamente.

Não divulgar a realidade ou amenizar os fatos, no caso da onda de assassinatos cometidos em Divinópolis, por exemplo, pode gerar no público a falsa impressão de segurança, enganando o leitor/ouvinte/telexpectador, o que não é o dever do jornalista/fotojornalista. Infelizmente, essa não é a primeira fez que uma série de assassinatos seguidos acontece na cidade, como em 2008 e creio que é o papel do jornalista profissional noticiar, informar, contextualizar e causar impacto, se necessário (como o uso da foto-choque), sobre um grave problema, alertando população, órgãos públicos e entidades e cobrando soluções.

E relatos de resultados nesse sentido não faltam, como a foto de Eddie Adams, registrando a execução de um vietcongue, o que mudou a visão do público em relação à intervenção dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Ou a foto de Kenneth Jareck, mostrando o corpo queimado de um soldado iraquiano, o que revelou que a Guerra do Iraque não foi um “procedimento cirúrgico” como os líderes norte-americanos faziam crer. Ou mesmo, como já citado, o caso da boate Kiss, em Santa Maria.

Então, fiel leitor, peço que antes de julgar uma foto-choque (ou imagem-choque, se abrangermos também a televisão), “leia” a imagem e contextualize o que ela está querendo informar. Se está apenas lhe fornecendo algo superficial, suspeite de sensacionalismo. Há uma carga de informação e alerta sobre a realidade? Leia: é o jornalismo profissional cumprindo sua função.

Obs.: (O título dessa coluna é uma referência a uma canção do grupo Engenheiros do Hawaii/ Trottoir que dizer caminhada, mas também faz referência ao andar de prostitutas à espera de clientes).