terça-feira, 21 de agosto de 2012

Quanto custa a consciência?

      
Ricardo Nogueira

Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica. Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.


 
       Na última semana, especificamente na última quinta-feira, um importante aniversário de 20 anos foi pouco lembrado pela imprensa nacional. Em 16 de agosto de 1992 um grande número de estudantes brasileiros foi às ruas, vestindo roupas pretas e com as caras pintadas da mesma cor, em protesto aos demandos do Governo Federal, ocupado então por Fernando Collor. A ironia é que o presidente havia convocado, na véspera, uma manifestação popular conclamando os jovens a vestirem verde e amarelo e ocuparem as ruas para mostrar seu apoio à Presidência. Tal manifestação serve como marca por vários motivos: demonstração de força popular, mobilização (verdadeira) da juventude em torno de uma causa nobre e a imprensa atuando como elemento decisivo para levar as informações de interesse público à população.

Por ter sido um momento ímpar e extremamente relevante para a história nacional, fico surpreso pelo fato não ter sido lembrado da forma como merece pela grande imprensa. Um dos motivos pode, como já discutido anteriormente neste espaço, dizer respeito à superficialidade e falta de investigação em temas relevantes atualmente na mídia nacional. Sobre isso, vale a pena citar o brilhante jornalista Mário Sérgio Conti, atualmente apresentador do Roda Viva e repórter da revista Piauí, que lançou em 1999 o livro “Notícias do Planalto”, em que conta a relação de Collor com a grande imprensa.

A obra, indispensável para quem gosta de estudar a relação entre jornalismo e política, analisa desde o surgimento do fenômeno midiático Collor como “caçador de marajás” até sua queda, provocada em parte pela atuação da imprensa. O principal fio condutor do texto é a íntima relação do protagonista com a mídia, responsável em grande parte por sua eleição e também por seu processo de impeachment, ao denunciar em belas reportagens investigativas os esquemas de corrupção comandados pelo fiel escudeiro PC Farias. Resenhas à parte, “Notícias do Planalto” revela os bastidores de investigações conduzidas por repórteres com compromisso com o interesse público.

Hoje, 20 anos depois de tudo isso, o mesmo Mário Sérgio Conti publicou no último mês, na Piauí, uma reportagem sob o título “Escândalos da república 1.2”, em que analisa a situação da imprensa hoje e seus principais personagens à época das denúncias. De forma surpreendente, o jornalista expõe que a maioria esmagadora dos então repórteres investigativos atualmente está “do outro lado do balcão”, tendo atuado ou atuando como assessores de comunicação e imprensa de personalidades e políticos de reputação duvidosa como João Paulo Cunha, Agnelo Queiroz, Joaquim Roriz, Roseana Sarney, Ricardo Teixeira (CBF), Daniel Dantas (banco Opportunity), Fernando Cavendish (empreiteira Delta) e mesmo Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

Sabe-se que, atualmente, as áreas de consultoria e assessoria de comunicação, especialmente relacionadas à área política, costumam ser as mais bem remuneradas para estes profissionais de palavras e ideias. Apesar disso, como pode um time inteiro de grandes profissionais deixar de lado sua vocação, expertise e, especialmente, compromisso público para servir à blindagem de figuras tão particulares? Será mesmo que vale a pena abrir mão dos princípios e de uma reputação construída à base da competência para ganhar uns trocadinhos a mais (mesmo que sejam trocadões a mais) no final do mês? E a consciência, quanto custa?

Um dito popular enuncia que todo homem tem seu preço. Há quem duvide e quem concorde com a afirmação. E há ainda quem se vende por um preço muito baixo, irrisório até. Acho que seria interessante implantar, nos vestibulares de jornalismo, um teste para medir o caráter e a corruptibilidade de cada candidato a repórter. Manter-se fiel aos princípios em uma profissão passível de ofertas “tentadoras” a todo o momento não é tarefa fácil. Mas também não é impossível e milhares de exemplos podem ser dados. Nada contra a ambição coerente, mas tudo contra a ganância desenfreada. Há formas e formas de se dar bem e ser reconhecido (inclusive financeiramente) no meio profissional do jornalismo. Cabe a cada um a decisão entre subir a pé ou num jato superfaturado.       

     

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