terça-feira, 14 de agosto de 2012

Jornalista ou segurador de microfone?


Ricardo Nogueira

Jornalista, Especialista em Docência do Ensino Superior, MBA em Gestão da Comunicação Integrada, Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais, Mestrando em Educação Tecnológica. Professor da Faculdade Pitágoras nos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Gestão Comercial.



O jornalista Marcelo Parada, em seu livro “Rádio: 24 horas de jornalismo”, faz uma importante distinção do ofício, que deveria ser aprendida, entendida e aplicada pelos estudantes e profissionais: a diferença entre o repórter e o segurador de microfone. Longe de qualquer conotação humorística, o autor esclarece que o segurador de microfone é aquele “pseudojornalista” que, sem esboçar qualquer indício de atividade intelectual mais avançada, dá-se ao trabalho de apenas ouvir declarações para construir as notícias. Diferente do verdadeiro repórter, ainda de acordo com Parada, que usa as declarações para complementar as informações já apuradas para a confecção de qualquer notícia, e não como uma “bengala” sem a qual não se produz material.

Esse conceito já fora explorado também por Clóvis Rossi, que anuncia estarmos vivendo uma era do “jornalismo declaratório”, baseado exclusivamente em entrevistas e declarações, ficando o repórter quase que como um mero instrumento de captação e transcrição das informações gravadas. Isso, como se sabe, empobrece o material noticioso, que fica sem a importante colaboração que o fator humano (o jornalista) poderia acrescentar.

Se o imperativo profissional da categoria é basear a prática exclusivamente em declarações e transcrições, muito em breve o jornalista poderá deixar de existir. Isso porque já existem softwares disponíveis no mercado que fazem a transcrição de gravações e geram um documento de texto, independente de quanto tempo de áudio exista. Se ainda não são populares, em muito pouco tempo estarão em praticamente todas as redações substituindo o profissional no demorado serviço de decupagem.

E assim que isso acontecer, duas saídas são possíveis: a primeira, fazer com o jornalismo torne-se uma atividade automática (ou eletrônica) de somente gravar, transcrever e publicar informações vendidas sob o nome de “notícia”. A segunda, mais saudável e inteligente, é repensar o papel dos repórteres na atividade contemporânea e fazer com que as declarações sejam acessórias no processo de construção das notícias. Para isso é necessário mudar a postura de grande parte dos profissionais e privilegiar a capacidade de pesquisa, observação e apuração dos fatos.

Uma das principais mudanças para que isso ocorra está no fato de mudança do ambiente de trabalho do repórter. Deve-se, como antigamente, abandonar as confortáveis cadeiras da redação e pôr o pé na rua, afinal é lá que ocorrem os fatos que se tornam notícias. Agora, pensar que as grandes notícias vão “cair no colo” de quem estiver sentado na redação, ou que vão brotar nas redes sociais, é inocência ou falta de iniciativa. Na redação pode até acontecer o ponto de partida para uma grande reportagem, mas, inevitavelmente, a observação e apuração dos fatos se darão no local onde eles acontecem.

Na última semana, foi exibida no programa Dossiê GloboNews uma entrevista conduzida pelo bom repórter Geneton Moraes Neto com o excelente norte-americano Gay Talese, um dos papas do jornalismo contemporâneo. Talese, que ficou famoso por uma reportagem-perfil sobre Frank Sinatra, “Frank Sinatra está resfriado”, publicada em abril de 1966 na revista Esquire, analisa o atual momento do jornalismo e afirma, com convicção, que existe uma extrema dependência da chamada “agenda oficial” nos dias atuais. Ou seja, os jornais aguardam ser provocados, principalmente por instituições e pessoas públicas, para irem atrás dos fatos que se tornam notícias. Daí vê-se a enxurrada de reportagens parecidas em todos os jornais (impressos, rádios, emissoras de TV e sites) com temas também muito semelhantes: inaugurações, visitas, reuniões, festas etc.

O norte-americano encerra a entrevista dizendo da importância da observação e pesquisa para a prática jornalística. E, por isso, afirma que não sente nenhuma vontade em entrevistar “estrelas” da mídia como atores e cantores, uma vez que suas palavras, na maioria das vezes, saem de suas bocas, mas do cérebro de roteiristas e assessores de imprensa. Por isso é, assumidamente, assim como o brasileiro Ricardo Kotscho (e, vá lá, Maurício Kubrusly), um especialista em “histórias paralelas”, aquelas que contam interessantes fatos sobre “desconhecidos”. Afinal, este é o jornalismo real, de verdade, com o pé na rua. E este deveria ser o papel do repórter, que, segundo Kotscho, é responsável por cultivar “a arte de informar para transformar”. Ou alguém acha que as histórias mais interessantes do mundo cabem na internet?










Nenhum comentário:

Postar um comentário