quinta-feira, 14 de abril de 2011

A imprensa e a cobertura de tragédias

Francisco Resende Costa Neto
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda
Faculdade Pitágoras – Divinópolis-MG



Quase mil mortos, centenas de desaparecidos e mais de 1 milhão de desabrigados em consequência das tempestades que ocorreram nas cidades de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e Sumidouro no estado do Rio de Janeiro, no início do ano. Poucos dias depois, na Austrália, o número de mortos por causa da chuva ultrapassou os 30, resultado das piores chuvas dos últimos duzentos anos. A imprensa brasileira teve papel fundamental, não só na cobertura, mas nas elucidações sobre as causas e consequências desta tragédia natural, evitando atitudes que poderiam agravar a situação.

Mal a mídia acabara de repercutir essas duas tragédias de repercussão mundial, em março, um terremoto seguido de um desastroso tsunami devastou a costa nordeste do Japão, deixando mais de 13 mil mortos até o momento, além de centenas de milhares de desabrigados. Se não bastasse a tristeza em todo o mundo, os japoneses convivem, além da enorme devastação material, com um grande risco nuclear, cada dia mais latente na vida da população. E a imprensa brasileira deu mais uma aula de Jornalismo, História e Geografia, mostrando a importância deste desastre natural em todo o mundo. 

A imprensa teve exatos 30 dias para assimilar todas as consequências desta tragédia no Japão. Na última semana, uma tragédia que poderia ter originado consequências ainda piores, aterrorizou uma escola no Rio de Janeiro. Um atirador invadiu uma escola pública no bairro Realengo e, atirando inconsequentemente, matou 13 crianças e deixou outra dezena gravemente ferida em vários hospitais da cidade. Em seguida, atirou contra a própria vida. Talvez inspirado no caso Columbine, que parou os EUA em 1999 (dando origem ao filme Elephant), ou nos atiradores de shoppings que viraram “moda” pelo mundo. O fato que a mídia se ocupou quase que exclusivamente com este caso na última semana.

A pergunta que se faz é: qual o real papel da imprensa na cobertura de tragédias como a da escola no Realengo? Claro que são coberturas diferentes, uma vez que as outras citadas são tragédias naturais e existe uma necessidade óbvia de se explicar a origem, as causas e consequências dos fatos. Mas este mesmo tipo de cobertura não pode ser simplesmente replicada em casos como o da última semana. A imprensa brasileira, tida como uma das mais sérias e competentes do mundo, ainda peca, e muito, neste tipo de cobertura. É fundamental preservar o lado social do fato e entendê-lo como uma ação isolada. Determinadas formas de cobertura acabam, involuntariamente, incentivando novas atitudes semelhantes.

Não existem pormenores que justifiquem tal brutalidade, tampouco a necessidade de se reconstituir, em rede nacional, os passos do atirador no dia do crime. Este tipo de cobertura tem pouquíssimo teor informativo, pouco contribui para a compreensão do fato e, acima de tudo, minimiza o sentimento de culpa em relação ao fato, incentivando a repetição do mesmo. Buscar na psiquiatria ou na sociologia algo que justifique a barbárie ou ficar mostrando, através de animações em 3D, a reconstituição deste crime mostra o estágio de amadorismo de nossa imprensa ao lidar com este tipo de notícia. Na tentativa de impulsionar a audiência, acabam contribuindo para a banalização do crime.

Fazer sensacionalismo e buscar na dor das famílias das vítimas algumas pautas para o jornal já faz parte da atuação da imprensa brasileira. Apesar de não concordar, também não critico e tem consumidores para este tipo de abordagem. Isso não me faz ser conivente com abordagens que, de certa forma, estimulam o crime. Desta forma, a imprensa perde sua principal função social, que é lutar e promover a inclusão e o combate aos males que afligem nossa sociedade. É preciso repensar o modelo. 

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