terça-feira, 2 de novembro de 2010

O prazer do jornal

Bernardo Rodrigues

Jornalista, especialista em Filosofia e Mestre em Teoria da Literatura.
Professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda
da Faculdade Pitágoras/Divinópolis




Muito se diz que não é possível pensar em democracia sem que haja uma imprensa ativa. De fato, o jornalismo cumpre um importante papel de crítico e fiscalizador do Poder Público, levando ao conhecimento da população o que acontece na esfera governamental. Entretanto, isso nos traz outro questionamento: o que o público faz com essas informações?

Em meados do século passado, nos Estados Unidos, algumas pesquisas sobre a comunicação de massa já se voltavam para esse uso que o público faz dos meios de comunicação. Isso aconteceu como desenvolvimento de uma abordagem funcionalista da mídia, que tentava identificar o papel que ela desempenhava na sociedade e seus efeitos sobre a massa. Daí, em vez de se perguntar “o que a mídia faz com o público?”, voltou-se o foco para outra indagação: “o que o público faz com a mídia?”. Essa abordagem ficou conhecida como “Usos e Satisfações”, ou “Usos e Gratificações”, defendendo que o público busca os meios de comunicação para a fim de obter uma satisfação pessoal.


Isso nos leva à pergunta do primeiro parágrafo. Vamos falar de jornalismo aqui como se a imprensa fosse totalmente isenta, imparcial e comprometida simplesmente com a verdade (num outro momento voltamos a atenção para as “tendências” do jornalismo). Enfim, por mais que a imprensa esteja empenhada em conscientizar e informar a população, pode acontecer de as pessoas buscarem a mídia simplesmente por entretenimento. Um telejornal, nesse caso, vira um espetáculo, esgotando-se em si mesmo, sem deixar para os espectadores, por mais que tente, algo que paute ou oriente sua ação no futuro. Um exemplo disso seria aquela pessoa que, ao deitar, deixa a TV no canal de notícia, apenas para que pegue no sono, deixando de lado seus problemas com trabalho e com a família. A notícia se transforma, para essa pessoa, num discurso que traz distração.


Ao trabalhar essas questões com meus alunos, propus que se fizesse uma breve pesquisa pela faculdade para observar essa relação dos estudantes com os meios de comunicação. Realmente é curioso observar que a maior parte das pessoas assista a televisam com o simples objetivo de passar o tempo, mesmo aquelas que dizem assistir ao telejornal. É fato que a própria linguagem e formato do telejornal, por exemplo, tem mudado, deixando o jornalismo mais leve, mais solto, mais atento à forma e mais próximo, inclusive, de programas de entretenimento. Daí é que surgem os “andróginos” CQC’s e outros programas que mesclam pautas jornalísticas com entretenimento. O jornalismo, aos poucos, passa a ser convertido pelo público num produto que pouco se diferenciaria de uma telenovela, observando-se seu papel social.


Se é esse o uso que o público faz do jornalismo, sua contribuição para a Democracia fica limitada, nem tanto pelo tipo de informação que dissemina, mas pelo alheamento que o próprio público se impõe, ao abrir mão do “empoderamento” que a mídia deveria lhe proporcionar.

Muitos podem vir com o apocalíptico discurso de que é a própria Indústria Cultural, da qual o jornalismo faz parte, que provoca essa alienação. Entretanto, essa demonização da mídia, na verdade, só ofusca os buracos do modelo de educação que temos privilegiado em nosso país. É mais fácil condenar a mídia; não temos controle sobre ela.

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