quinta-feira, 15 de abril de 2010

Consumidor de sensações

Um bando de velhinhas jogando cartas e uma delas põe algumas cervejas pra gelar. A cena por si só já causa estranhamento. De repente uma grita: “Bati!” e prega uma carta na testa da outra. Eis um comercial de TV de uma famosa cerveja nacional.

Mas peraí, desde que entrei na faculdade de publicidade aprendi que comerciais servem para mostrar o produto, seus diferenciais, seu preço, dentre outras qualidades competitivas. Estranho, pois nesse caso nada disso se quer é mencionado. Divertido, inusitado, mas se não fosse a vinheta de encerramento do comercial eu mal saberia de que marca se tratava.

Bom, tudo bem, segue o meu dia. Vou ao supermercado comprar umas coisas pra casa e percebo que aquele lugar antes destinado ao auto-serviço, ou seja, um espaço prático, eficiente e econômico onde cada um escolhe seus produtos e coloca em seu carrinho sem precisar de ajuda, começa a tomar outros ares. Trata-se, agora, de um verdadeiro parque de diversões onde é possível experimentar sabores e cheiros, assim como ganhar brindes, apreciar obras de arte, ouvir música e participar de concursos.

Peraí, pára tudo. O que houve com a publicidade e com tudo que aprendi até hoje? Cadê o preço, as qualidades, as condições de pagamento? Onde foi parar todo mundo? Percebo que alguma coisa mudou nas relações entre produtos e consumidores. Na verdade, esta relação que antes se dava entre coisas e pessoas, agora passa a ocorrer em uma dimensão mais íntima, próxima da relação entre pessoas e pessoas.

Oliviero Toscani, famoso e polêmico fotógrafo e publicitário da marca Beneton, já afirmava em seu livro, há alguns bons anos atrás, que a publicidade é um “cadáver que nos sorri”. Apesar de um pouco de narcisismo e extravagância, o autor já chamava atenção para o fato de que a publicidade, assim como foi concebida, em sua versão tradicional, já não mais vivia, ou sobrevivia. De uma maneira irreverente, ele já afirmava que a publicidade tradicional estava morta, como um cadáver, e que os publicitários precisavam aprender a trabalhar de uma outra maneira, deixando de lado suas antigas técnicas, seu modo convencional de mostrar um produto (ou serviço) e persuadir o público a consumi-lo.

Pois bem. O que podemos ver atualmente é uma explosão de novas linguagens e maneiras de comunicação entre produtos e pessoas. Produtos tornaram-se pessoas e agora possuem emoções, caráter, atitude e personalidade. Pessoas tornaram-se produtos e agora querem parecer mais atraentes, mais eficientes, mais bonitas, mais confiáveis e mais desejadas.

É nesse novo cenário que atua o publicitário contemporâneo, criando um elo entre objetos de consumo e consumidores, provocando o surgimento de uma relação confiável e feliz entre ambos. Assim, uma cerveja deixa de ser uma bebida alcoólica (consumida por maiores de 18 anos) e passar a ser uma companheira em um jogo de cartas, para todas as idades. Da mesma forma, o nosso bom e velho “Toddynho” perde o posto de leite com chocolate e assume a posição de um companheiro de aventuras. E assim, produtos vão tomando vida, compartilhando espaços com os humanos e dividindo, inclusive emoções e vivências.

O publicitário portanto, não é mais aquele homem que fica na agência em busca de grandes idéias para uma campanha. Ele agora é um profissional que trabalha com a inserção de produtos e serviços no cotidiano de uma sociedade cada vez mais mutante e desejosa de novas experiências. É hora de romper com a antiga forma engessada de anunciar apenas em emissoras de TV, jornais e revistas para garantir o sucesso de um produto. É preciso mais que isso. É preciso anunciar, mas de uma maneira diferenciada, sensível, que toque o consumidor em suas vivências. É tempo de tornar o ponto-de-venda um local que desperte sensações e prazeres, um espaço de compartilhamento, quase de comunhão. É hora de participar intensamente da vida do público-alvo, transformando consumidores e produtos em amigos, namorados ou parentes muito próximos. E você, que trabalha com comunicação, está pronto pra esse desafio? O que vêm fazendo para se adaptar a essa nova realidade? É bom pelo menos começar a pensar a respeito.

* Mivla Rios
Publicitária, mestre em Comunicação Social
e professora da Faculdade Pitágoras/Divinópolis

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