segunda-feira, 21 de março de 2011

Abusos e desabusos na imprensa

Francisco Resende Costa Neto
Coordenador dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda
Faculdade Pitágoras/Divinópolis-MG


 
Iniciei, em janeiro de 2000, o curso de Jornalismo por entender e ter a plena convicção de que, através da transparência e da democracia na difusão das informações, poderíamos fazer um mundo mais digno e extremamente mais justo. Passados 11 anos, tenho a mesma percepção em relação a esta nobre missão defendida pelos jornalistas em todo o mundo, mas percebo, em contrapartida, que a luta diária desses “embaixadores da informação” vai além dos perigos tradicionais da profissão, como o enfrentamento do tráfico, de grupos políticos e até da polícia, uma vez que as mais polêmicas investigações jornalísticas acabam envolvendo uma destas três esferas do poder.

Nestes 11 anos de observação constante do meio jornalístico, me deparei com situações lamentáveis. Começando pela morte de Tim Lopes, repórter da Rede Globo que investigava o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. De bermuda, com uma velha camisa amarela e sandálias, como um típico carioca do morro, Tim Lopes, então com 51 anos, saiu da sede da TV Globo no dia 2 de junho de 2002 para fazer a sua última grande reportagem investigativa. Levava uma microcâmera escondida para filmar um baile funk na favela da Vila Cruzeiro, uma das 12 integrantes do morro conhecido como Complexo do Alemão, no bairro da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Ele havia recebido uma denúncia dos moradores da favela de que nos bailes patrocinados por traficantes acontecia a exploração sexual de jovens e o consumo de drogas. Os moradores pediam ajuda. Tim tentou ajudar.

A morte de Lopes foi confirmada depois da prisão do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, um dos líderes do grupo criminoso Comando Vermelho, que detém o poder no Complexo do Alemão. Os depoimentos dos presos indicam que o jornalista pode ter sido identificado pelos traficantes como sendo como o autor da reportagem “Feira de Drogas” veiculada pela TV Globo em agosto de 2001. Na reportagem, Lopes filmou, com uma microcâmera escondida, a venda de drogas nas ruas do morro do Alemão. Depois que sua reportagem foi ar, foram presos traficantes e o negócio foi interrompido por um tempo, causando prejuízos aos narcotraficantes. Lopes foi executado por um único motivo: fazer um jornalismo ético e voltado para resolver problemas da comunidade. Foi vítima da “Justiça do Tráfico”.

Passamos por diversos conflitos envolvendo grupos de poderes e imprensa nesses 11 anos. Porém, nesta semana, fiquei estarrecido com um fato isolado ocorrido na Bahia, em pleno século XXI e na era dominada pelas novas tecnologias. Na última quarta-feira (09/02), o jornal baiano A Tarde voltou atrás e resolveu readmitir o repórter Aguirre Peixoto, demitido após publicar uma série de reportagens com denúncias contra crimes ambientais. Segundo colegas de redação, Peixoto teria sido dispensado por pressão de empreiteiras, que teriam sentido prejudicadas com as matérias. No entanto, a direção do jornal, obviamente, negou sofrer pressão das construtoras. Lamentável!

O engraçado é que, ao invés de condecorar o nobre jornalista pelo brilhante feito e enorme favor prestado à comunidade com sua brilhante investigação, de acordo com a decisão da empresa, Peixoto ficará suspenso por 30 dias e poderá voltar às suas funções após esse período. Porém, o motivo da suspensão, obviamente, não foi esclarecido. De repente, o nobre jornalista tenha sido punido por, simplesmente, fazer um bom jornalismo. Olhando o lado positivo, sua punição foi menos severa do que a de Tim Lopes. Mas punição porque? Por fazer uma cobertura que vai além do óbvio do cotidiano, que busque informações concretas e baseadas em documentos legítimos? Que busque, através de técnicas aprendidas no curso de Jornalismo e aprimoradas pela prática do dia-a-dia, mostrando à população aquilo que ela busca saber em um grande veículo de comunicação?

É fácil perceber como as reações da equipe foram favoráveis ao nobre colega jornalista. Segundo matéria publicada no site “Comunique-se”, desde a demissão, os jornalistas do diário entraram em estado de greve e fizeram barulho nas redes sociais. Em meio à crise, o editor-chefe do veículo, Florisvaldo Mattos, pediu demissão, mas afirmou que sua saída não foi motivada pelo caso de Peixoto, mas por um acúmulo de situações. Além de readmitir o jornalista, A Tarde se comprometeu a redigir uma linha editorial mais clara. Enquanto a linha editorial não for divulgada, os profissionais continuam de greve. E o bom jornalismo, de fato, agradece!

Nenhum comentário:

Postar um comentário