terça-feira, 14 de junho de 2011

Os livro tão na mesa

Bernardo Rodrigues 
Jornalista, especialista em Filosofia e Mestre em Teoria da Literatura.
Professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda
da Faculdade Pitágoras/Divinópolis


Temos acompanhado, pela imprensa, uma série de discussões – que já passaram inclusive por este observatório – acerca do polêmico livro didático para jovens e adultos distribuído pelo MEC neste ano. Num dos capítulos desse livro, ao se comentar a distinção entre a língua escrita e falada, lê-se o seguinte: "Você pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar os livro?'. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico".
A divulgação do texto suscitou inúmeras críticas e manifestações radicalmente contrárias à proposta pedagógica da ONG Ação Educativa, responsável pela publicação do livro. Entretanto, devemos reconhecer que a língua é um processo dinâmico, que se transforma continuamente. É preciso, portanto, que se atente às variações que surgem, especialmente, no jeito de falar o português brasileiro.
Em seu livro Para uma nova gramática do português, o lingüista Mário Perini afirma que é preciso fazer uma avaliação criteriosa das atuais normas gramaticais brasileiras. Para ele uma nova gramática “deverá, primeiro, colocar em seu devido lugar as afirmações de cunho normativo: não necessariamente suprimindo-as, mas apresentando o dialeto [padrão escrito da norma culta] como uma das possíveis variedades da língua, adequada em certas circunstâncias e inadequada em outras (é tão “incorreto” escrever um tratado de Filosofia no dialeto coloquial quanto namorar utilizando o dialeto padrão). Depois, a gramática deverá descrever pelo menos as principais variantes (regionais, sociais e situacionais) do português brasileiro, abandonando a ficção, cara a alguns, de que o português do Brasil é uma entidade simples e homogênea”.
O português do Brasil é uma síntese da nossa cultura: absorvente constante de influências externas, diversa e plural. Não se fala no sul o mesmo português que se fala no norte do país, assim como não se fala no Brasil o mesmo português de Portugal. E cada um desses dialetos tem uma gramática, eles são norteados por algumas regras compartilhadas por cada falante. Maior ainda é a distância entre o português que falamos e aquele que escrevemos.
Nesse sentido, a afirmação de que se pode falar “os livro” é fruto de uma constatação de que é assim mesmo que utilizamos nossa língua. E isso não se resume ao falante que não tem estudo. Confesso que, no uso do divinopolitês, eu mesmo “engulo” alguns esses, para não dizer algumas sílabas, “fonofagia” esta que uma marca do nosso dialeto. Daí resultam os famosos “quidicarne”, “lidileite”, “mastumate” e “dendapia”, num processo não muito diferente daquele que transformou Vossa Mercê em você, que logo já se torna ocê, cê...
Por outro lado, o preconceito lingüístico é algo que deve ser observado. Num país em que tanto se discrimina, seja por cor de pele, por opção sexual ou nível de renda, o jeito de falar também se vincula a estereótipos, ocasionando disciminação, intolerância etc.
Diante disso, cabe à academia seguir atenta a essas questões, buscando alternativas para identificar a melhor maneira de se formar pessoas que tenham competência para utilizar as diversas variantes da língua, nos contextos adequados. Até porque precisamos rever a maneira como se trabalha o português atualmente em sala de aula, cujos resultados ainda não são dos melhores. Talvez porque se tenha dado atenção demais às regras, às normas, ao certo e ao errado, em detrimento da tentativa de se construir junto aos alunos uma desenvoltura para conseguir entender os textos que lhe chegam o tempo todo pela televisão, internet, rádio, jornais, cartas etc. Além disso, deve-se desenvolver neles a capacidade de organizar idéias e representá-las num texto que consiga transmitir alguma informação. Enquanto isso, os livro ou os livros, estejam onde estiverem, não terão lá muita valia...

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